Os trabalhos e fatos da vida do tcheco ganham forma e ilustrações em Kafka de Crumb (Editora Desiderata, 184 páginas, R$ 39,90), com textos de David Zane Mairowitz e desenhos do controverso e popular Robert Crumb que esteve na Festa Literária Internacional de Paraty deste ano.
"Nenhum autor de nossa época, e provavelmente nenhum desde Shakespeare, foi tão mal-interpretado e ignorado", diz em um trecho.
As páginas trazem sua infância em um gueto judeu em Praga, na República Tcheca, passando pela juventude, o relacionamento conturbado com figuras de autoridade (casos do pai e do chefe em repartição pública), as dificuldades em lidar com as mulheres e o momento em que escreveu alguns dos textos mais complexos de todos os tempos. Detalhes como o vegetarianismo e o caos que isso causou na família e a preocupação com acidentes no ambiente de trabalho são revelados.
O fato de ser judeu o influenciou demais. Kafka presenciou tempos em que o nacionalismo tcheco crescia muito em relação a predominância alemã, resultando em ódio quanto a seu povo. Tais complicações fizeram com que sentisse raiva de suas raízes religiosas.De acordo com Mairowitz: "A maioria dos judeus daquela época (ou de qualquer outra) absorvia a ameaça diária do antissemitismo e a interiorizava. Kafka não escapou dos sentimentos judeus de aversão..."
Vida pessoal e profissional se confundem e é neste momento que suas obras são apresentadas em HQ para o público. Estão presentes versões de A Toca, Na Colônia Penal, O Castelo, O Veredicto, Teatro da 'Natureza' de Oklahoma e Um Artista da Fome.
Não ficam de fora clássicos como O Processo, de 1914, que serve de base para o desenvolvimento da noção conhecida como kafkaniana, além de A Metamorfose, no qual narra as ações de Gregor Samsa quando acorda inesperadamente na forma de um monstruoso inseto.
Eles ganham o traço urbano de Robert Crumb. Com estilo rústico e underground, o ilustrador consegue manter em desenho a densidade encontrada nos textos de Kafka. As histórias são repletas de situações bizarras e que misturam tragédias e momentos engraçados, prato cheio para um Crumb que está acostumado a trabalhar com essa temática.O prefácio é assinado pelo cartunista gaúcho Allan Sieber. Conhecido pelo humor ácido e inteligente, ele reconhece o ótimo produto do livro."Desenho e texto encontram uma simbiose perfeita, em que o desenhista não perde personalidade nem compromete a obra do autor com firulas e maneirismos desnecessários. Parece fácil, mas não é. Kafka e Crumb, na verdade, têm muitas coisa em comum", diz. É o que se percebe durante nesta união de universos.
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